Nota sobre o Genocídio Brasileiro

quando o julgamento chegar (Por IHUDD)

Douglas Meira Ferreira

        Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo



        O Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD) vem por meio desta se pronunciar sobre a recente polêmica envolvendo o uso do termo “genocídio” na atual crise sanitária, política, social e econômica pela qual passa o Brasil.

        Um genocídio estaria em curso no Brasil neste momento, com o descaso do governo face à pandemia de Covid-19? Essa pergunta tem sido feita por movimentos sociais, intelectuais e ativistas desde o começo da pandemia no Brasil e a atuação errática do atual governo federal, mas ela ganhou força com um episódio em particular: o corajoso posicionamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, questionando o papel das Forças Armadas no governo Bolsonaro e atuação na pandemia, suscitando a possibilidade de futuras acusações de cometimento de crime de genocídio por parte de seus oficiais. 

        Pois bem, genocídio não é apenas um conceito comum de “matar grupos humanos inteiros”, mas também um crime bem definido pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948, ratificada pelo Brasil em 1952, com o Decreto n. 30.822, e, posteriormente, transformado na Lei de 2.899 de 1956, sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek. Em todas essas normas, a definição do crime de genocídio é clara e idêntica:

         a) matar membros do grupo;

        b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

        c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

        d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo;

        e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

        Vejamos, o descaso em implementar políticas públicas sanitárias adequadas, o frequente negacionismo científico sobre a natureza e expansão do vírus, a recomendação do uso de medicamentos sem efeitos comprovados para o tratamento da doença pelo próprio Presidente da República, a ausência de testagem em número eficaz, a possível subnotificação de mortes por Covid-19, mas também a ausência de medidas de proteção social e incentivo econômico na presente crise são apenas capítulos do quadro emergencial brasileiro, hoje um dos maiores epicentros globais da pandemia global.

        Nesse sentido, e pela atitude insensível e irresponsável do governo federal, cuja quantidade de militares e parentes de oficiais militares ocupando cargos de confiança espanta o mais moderado dos democratas, oferece evidências razoáveis que estamos sim presenciando um genocídio no Brasil -- levando em consideração, ainda, o descaso do governo com as mortes e contaminação dos povos nativos originários, 

        Basta comparar as medidas que têm sido tomadas na vizinha Argentina e aqui, considerando ainda a diferença da proporção de mortes por milhão, ainda que fossemos levar em conta os dados oficiais de mortes de brasileiros, possivelmente pouco confiáveis: falamos de um número mais de dez vezes superior de mortes no Brasil, o que não é razoável. 

        Novamente, genocídio não é apenas uma expressão comum ou um tipo do direito internacional, tantas vezes menosprezado pelos motivos errados justamente pelos inimigos dos direitos humanos: trata-se de um tipo penal existente desde os anos 1950 no ordenamento jurídico brasileiro.

        Há indícios claros de que é de genocídio mesmo que se trata o quadro brasileiro atual, não só pelos mortos e adoecidos por Covid-19, mas também pelos milhões de desempregados, falidos e agora famélicos cidadãos, abandonados à própria sorte. 

        E como tudo isso, ainda, sobrecarrega o sistema de saúde, facilitando a morte e o adoecimento de cidadãos por outras doenças -- além dos severos impactos na psiquê coletiva, gerando um massivo e severo adoecimento mental. 

        Precisamos encarar a situação de frente e chamar as coisas pelo seu nome. O Brasil não pode conviver com esta, que é a pior crise da sua história, sem que ninguém se levante e aponte a anormalidade do que estamos vivendo para dizer: sim, estamos sendo atacados, somos todos vítimas de um crime em larga escala.

        Seguindo o modelo argentino, pelo menos 90% das mortes diretas por Covid-19 poderiam ter sido evitadas,  o que torna isso que vivemos em algo não apenas inadmissível como, também, criminoso. Não podemos nos calar diante disso sem apontar que poderíamos estar fazendo muito diferente e sem suscitar que é necessário, pelo menos uma vez na nossa História, responsabilizar autoridades que cometem crimes dessa natureza -- e, desta vez, dessa magnitude.