Manifesto de Fundação


São Paulo, Inverno de 2019


Frente aos crescentes ataques às classes trabalhadoras, mulheres e comunidades , LGBTQIA+, negras e negros, populações indígenas e grupos imigrantes, assim como demais setores oprimidos – expressos na ascensão, no Brasil e no mundo, de forças neofascistas e demais facções reacionárias -- decidimos fundar o Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD). Nosso objetivo é a proteção dos Direitos Humanos, coletivos e individuais.

Vivemos tempos catastróficos: A beligerância global é generalizada, fomentada pelas classes dominantes, ameaça a integração entre os povos enquanto promove o ódio e a xenofobia, reforçando a necessidade de um mundo sem muros e fronteiras. Enquanto internacionalistas, acreditamos na solidariedade entre os povos trabalhadores, o combate à islamofobia e ao antissemitismo, assim como na necessidade de um movimento anti guerra e anticolonial.


A luta por direitos é colocada como um norte do IHUDD, mesmo que a ideologia por detrás de sua construção não seja necessariamente emancipatória e/ou crítica.


Lutamos pelo direito de resistir aos abusos do Estado e do capital. O IHUDD busca a defesa de direitos de lutadoras e lutadores no combate às mais diversas formas de opressão. Sobretudo às violências estruturais e institucionais contra aqueles que se organizam politicamente por alternativas à sociedade dividida em classes – ou, ainda, aqueles cuja mera existência configura tal resistência.


Nesse contexto emergencial, o afrouxamento no combate ao trabalho análogo à escravidão e a erradicação do trabalho infantil representam o avanço da barbárie. A erosão no mundo do trabalho, assim como a precarização dos direitos trabalhistas e a informalidade das novas relações de emprego incidem sobretudo contra mulheres negras, travestis e transexuais. O sucateamento da saúde e da educação afetam desproporcionalmente as mulheres, cujo trabalho de reprodução social e trabalhos de cuidado as super exploram com dupla jornada de trabalho.


O Instituto apoiará a construção de políticas públicas de direitos reprodutivos, incluindo a legalização do aborto, cuja criminalização sobretudo afeta o corpo das mulheres negras e periféricas. Atuará também na retaguarda jurídica do movimento feminista na luta por equiparação salarial, e no combate à violência de gênero e cultura do estupro.


Enxergamos o colapso ambiental, assim como a destruição da biodiversidade, como produtos inevitáveis do capitalismo, o que coloca em risco a sobrevivência de todos os seres vivos. A luta pelo Bem Viver, assim como as experiências ancestrais de comunidades indígenas na resistência ao colonialismo, nos serve de inspiração.


Este Instituto entende que a cultura popular é uma forte plataforma de sobrevivência das tradições, do bem estar comum, sendo ela imanente às lutas sociais, portanto, merecedora de resguardo. Acreditamos na liberdade e coexistência entre as religiões, devendo suas expressões serem protegidas, sobretudo as de matriz africana e indígenas. Defendemos a liberdade religiosa e a liberdade face à religião.


Compreendemos a separação entre campo e cidade e, também, a divisão entre centro e periferia como expressões geográficas da desigualdade material da riqueza, o que assume contornos devastadores no Brasil.


Por isso, entendemos as reformas urbana e agrária como vitais no nosso país, inobstante a morosidade de sua aplicação embora previstas na Constituição. Elas apenas não bastariam, pois é preciso resolver tais questões pela distribuição da propriedade e não apenas por mecanismos de compensação de renda.


Assim, nos colocamos ao lado dos movimentos pelo Direito à Cidade, os quais buscam democratizar políticas públicas de habitação, o combate à gentrificação e a defesa da participação popular assim como o incentivo ao transporte coletivo gratuito e de qualidade e meios alternativos de locomoção. Entendemos a distância como instrumento de dominação e exclusão, sendo que uma verdadeira reforma urbana deve, por seu turno, aproximar o local de trabalho do local de moradia.


Ainda sobre o campo, vemos que a monocultura latifundiária, fundamento econômico da violência no campo, matas e florestas, exerce um poder predatório sobre a agricultura familiar, destruindo o meio ambiente e envenenando com agrotóxicos os nossos alimentos.


Tal violência, em particular contra às comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas e dos acampados e assentados da reforma agrária, assim como os atingidos por barragens, exige uma atuação firme em proteção de tais grupos e fortalecimento de suas reivindicações.


Questionamos a eficácia da punição e do cárcere na sociedade, entendendo que a pena e a prisão não cumprem com as ditas finalidades, como caráter pedagógico e reinserção social, ao contrário; o sistema não cumpre nem mesmo com os ditames constitucionais da não exposição a penas degradantes ou cruéis. Instrumento de dominação de classes, o cárcere se vale sobremaneira do racismo estrutural para determinar sua seletividade.


E mais, o cerceamento da liberdade não pode se dar sob novas roupagens de melhor infraestrutura; o cárcere elimina a dignidade da pessoa humana e não dialoga com eventual possibilidade de recondução à sociedade. Portanto, propomos discutir sistemas contrários à punição, tal como práticas restaurativas.


Para além do punitivismo e seletivismo legais, é preciso considerar a violência letal do Estado brasileiro, a qual atinge patamares de guerra civil, caracterizando um genocídio contra a população negra. A causa de tal processo se conecta tanto à herança colonial e escravocrata quanto à manutenção das relações análogas de opressão e desigualdade racial pelo sistema de acumulação capitalista, em sua forma neoliberal.


Essa letalidade está, particularmente, relacionada a guerra às drogas, a qual figura como instrumento internacional de repressão colonialista, demandando ampla cooperação global para sua superação. Nesse contexto, é preciso deslocar a questão das drogas da segurança pública ou nacional para a saúde, o que implica na demanda urgente de sua descriminalização.


Desse modo, é central, para a defesa dos direitos democráticos e sociais, o combate à instrumentalização do poder judiciário pelas classes dominantes. Combater o lawfare -- a utilização do judiciário como instrumento de guerra híbrida – no Brasil e na América Latina é precondição necessária para qualquer projeto de emancipação.


Por fim, o IHUDD está organizado de forma suprapartidária, porém não antipartidária. Entendemos como aliados os partidos políticos de esquerda, assim como os coletivos autônomos e das classes trabalhadoras e operária nas demandas e articulações pró-sociedade.


Não nos colocamos de maneira protagonista nas lutas sociais, mas sim como sua retaguarda, sendo sensíveis e respeitosos às decisões políticas das organizações e movimentos. E é nisso que empenhamos nossos esforços, experiências e acúmulos teóricos.