Bolsonarismo: genocídio, Fascismo e barbárie

(Por Hugo Albuquerque)

Hugo Albuquerque

O Saque de Roma (Luminais)

O Governo Bolsonaro resolveu esconder os dados da pandemia no Brasil. Já apontamos, Fábio Otheguy e eu, que quando o Brasil chegou a 30 mil mortes oficiais, que pelo menos umas 27 mil delas eram evitáveis, usando um cálculo simples: a proporção de mortes pela mesma pandemia na vizinha Argentina. Alguns dizem: é para esconder o genocídio. Não: isso caracteriza o genocídio. Genocídios, via de regra, são escondidos pelos dados oficiais.

A chegada de Jair Messias Bolsonaro à presidência do Brasil é uma ruptura mais profunda do que parece, mas foi preciso uma Pandemia para isso ficar definitivamente claro. Não é só com o Lulismo e suas políticas de inclusão e desenvolvimento social, ou com o consenso da Nova República, do desenvolvimentismo ou mesmo da ideia de modernização de Getúlio, mas uma oposição a qualquer ideia de Brasil.

Não é de metafísica que eu falo, mas que Bolsonaro rompe com as duas ideias elementares que, de maneira recorrente, surgem na nossa História independente: a hegemonia das nossas oligarquias ancoradas na potência do momento, seja a Inglaterra ou os Estados Unidos, mantendo as bases arcaicas ou bancando apenas uma modernização conservadora, e a segunda, de que o Brasil pode ser uma civilização original e singular caso se permita a incluir sua gente e se realizar enquanto país.

Em outras palavras, o ponto deste artigo é que inobstante o apoio de uma extrema-direita, de monarquistas e integralistas, o fato é que até isso, a rigor, o Bolsonarismo se opõe na sua gênese e estrutura. Trata-se não da ideia de subordinação do Brasil, mas sua eliminação e refundação de maneira absolutamente sujeita a um referencial externo.

Depois de dar inúmeras provas de que se trata de um fascista, talvez agora já se pode dizer sem ser importunado de que é isso que Bolsonaro é. Mas há algo singular. Bolsonaro está no jogo da Internacional de Extrema-Direita de Bannon como experimento do que pode ser uma futura liderança alt-right para os Estados Unidos no pós-Trump,  mas também é uma peça colonial nesse jogo. Há, contudo, uma enorme semelhança entre Bolsonaro e as extremas-direitas do século 20, mas uma enorme diferença.

Nazistas e, antes deles, Fascistas, recorriam a uma passado glorioso, uma era de ouro na qual legitimavam seu “nacionalismo étnico” quando, a bem da verdade, o que Hitler e Mussolini faziam era disparar um elemento recalcado no inconsciente de massas europeu e disparado pelo capitalismo desesperado: a barbárie do início da Idade Média, a Idade das Trevas por excelência, de chefias bárbaras que se rebelavam contra a ordem romana na qual foram criados para funcionar como assassinos em massa do superego coletivo.

Não havia, entre os primeiros reis itálicos, sucessores formais do “Império Romano do Ocidente”, qualquer desejo de confrontar a civilização, mas dominá-la e sujeitá-la aos seus caprichos. Não era é um pós ou antes ou um contra processo civilizatório, mas sua instrumentalização dos elementos despóticos. Odoacro ou Teodorico são exemplos disso, vide a morte do filósofo Boécio.

No caso de Bolsonaro, contudo, não existe uma Era de Ouro inexistente para se fundamentar. Bolsonaro nega, ao contrário dos integralistas, qualquer precedência e fundação num passado remoto do Brasil. A Brasilidade surge como desvio e pecado, quando o modelo americano, tomado de forma atemporal, é a fundação que deve conduzir um novo Brasil ao seu ano zero. 

Mas Bolsonaro como os fascistas alude a uma falsa Era de Ouro, como os míticos arianos de Hitler ou a República e o Império Romano para Mussolini, para esconder sua fundação real em uma Idade das Trevas: só que sua era de ouro, ironicamente ou não, é a americana, a qual esconde a frustração na derrota dos Confederados nos Estados Unidos. Essa guerra que nunca acabou, e se expressa perfeitamente na política americana, é a que move Bolsonaro.

Quis o destino que os republicanos de Lincoln se tornasse o Partido de Trump e dos confederados. Os democratas, ironicamente, se tornaram os unionistas, ambos com suas muitas contradições. Bolsonaro, que nem seria propriamente branco nos padrões americanos -- um descendente de italianos é sempre um italian lá -- é esse estranho procurador, administrador colonial de sua própria terra ou uma espécie de Coriolano sem culpa.

Se os Estados Unidos hoje são governados por um ser que os faz parecerem os Estados Confederados, o Brasil tem seu o governador-geral. Trump, representante dos sulistas escravagistas, remete a uma idade das trevas americanas, a qual não é como se não tivesse acontecido: assim como a Guerra da Coréia, a Guerra Civil americana jamais acabou, mas paira em suspenso.

Bolsonaro precisa ser derrotado, mas essa derrota exige a paralisação da produção. Não bastam manifestações. A única forma pacífica de detê-lo é parar o país, pois logo não haverá mais país para ser parado. A maior indignidade com os mortos é negar-lhes até mesmo o direito de ter declarado do que morreram. Morreremos à toa e cordialmente? 

Hugo Albuquerque, 32, é advogado, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, onde também se graduou, membro do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia -- IHUDD e editor da Autonomia Literária.