Mil novecentos e dois mil e vinte

Gripe Espanhola e Coronavírus, o abismo das semelhanças(Por Douglas Meira Ferreira)

Douglas Ferreira
Há um século, o Brasil passava por outra pandemia. Iniciada em 1918, a gripe espanhola, causada pelo vírus Influenza, matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. O Estados Unidos do Brasil foi um dos países que sofreram gravemente com a doença.

Apesar do nome, inúmeras pesquisas apontaram que a gripe espanhola era, na verdade, norte-americana. Sua origem ianque teve como cenário o estado do Kansas, onde uma instalação militar, Fort Riley, constatou os primeiros casos.

Evidente que vírus não tem nacionalidades, muito menos passaportes. Esses seres micro bióticos habitam o planeta terra muito antes da nossa espécie, Homo Sapiens, começar seus frágeis projetos chamados de nações.

Foi inclusive a disputa entre nações que deu início à Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914. A “guerra das guerras” foi, então, o primeiro conflito armado a envolver as nações de todo o globo e deixou amplas consequências na humanidade. Além de inaugurar a chacina internacional entre humanos em nome de ideais nacionais, a alta mortalidade da gripe espanhola só foi possível por causa das horríveis condições sanitárias enfrentadas nas trincheiras e nas cidades europeias daquele tempo.

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A guerra se encaminhava para o fim quando os soldados norte-americanos transportaram o vírus da gripe espanhola do Kansas até o território europeu. Viajando em cima de cavalos, trens e barcos, estima-se que o Influenza tardou dois meses até chegar às terras espanholas. Nesse período, as mortes pela gripe eram assunto sigiloso nos Estados Unidos da América, os esforços de guerra deixavam pouco espaço na mídia local para tal assunto. 

Em solo Espanhol, a doença fora amplamente noticiada. O primeiro país a soar o alarme levou o crédito pela peste. Logo, gripe espanhola.

Voltando às terras tupiniquins, estima-se que no final de 1918, a gripe espanhola já se espalhava rapidamente causando inúmeras mortes no Rio de Janeiro. “O Rio é um vasto Hospital” diziam as manchetes. Na época, escolas, estádios e áreas pública foram transformados em hospitais para dar conta da tragédia.

Em meio ao desespero das pessoas, soluções milagrosas foram difundidas. A mais notória das substâncias se chamava quinino. Um conhecido remédio contra malária que já era utilizado pelo império Inca, o composto é extraído do arbusto “Quina” ou Cinchona.

O procurado quinino foi alvo de grande especulação e seu preço aumentou drasticamente com a demanda, chegando a zerar os estoques das farmácias. Longe de prover resultados milagrosos, o quinino inclusive provocava reações adversas. Curiosamente, ambos o quinino e a cloroquina são derivados da mesma planta. É a farsa da história.

O que matou mais: a gripe espanhola ou a primeira guerra?

É similar a perguntar-se, hoje, o que mata mais: Neoliberalismo ou Coronavírus?

No momento da redação deste texto, o Coronavírus avança rapidamente com novos casos e mortes causadas pelo interior do Brasil. Este cenário deixa evidente que a priorização da continuidade das atividades econômicas prevaleceu. Estamos perdendo essa disputa. O neoliberalismo verde-amarelo deixa o legado de abandono e indiferença. Não fossem os recentes desmontes do SUS, estaríamos em melhores condições.

Lá em mil novecentos e dois mil e vinte, o caso do Cloroquinino nos mostra como desprezar uma pandemia viral pode ter resultados devastadores. A gripe espanhola durou por, pelo menos, dois anos e atingiu o mundo em três grandes ondas de contágios e mortes. Foi necessária a grande mobilização de pessoas. Comércios e estabelecimentos fizeram doações substâncias. A economia parou e, mesmo assim, a gripe matou 1% da população mundial.

Francisco de Paula Rodrigues Alves então presidente do Brasil eleito em 1918, teve de interromper seu mandato por conta da gripe que o infectara. Presidente eleito por 99% dos votos, uma clara fraude eleitoral típica da época, faleceu em janeiro do ano seguinte.

Jair Messias Bolsonaro eleito em 2018, fruto de uma fraude eleitoral, insiste no uso da ineficaz e perigosa cloroquina para tratamento da infecção de Coronavírus. Cinicamente, menospreza as mortes e o luto da população. O resto é vale a pena ver de novo.

Douglas Meira Ferreira, 70% água, 25, sociólogo estudioso das políticas públicas. Buscando a redução de danos na humanidade, a última utopia.