A Coroa do Big Brother: Apropriação a serviço do Capital, Fetichização da Vigilância e o Sofrimento como Lucro.

por Yuri Torres Paes Tripodi

Duda Sansão

Texto/Imagem: Yuri Torres Paes Tripodi

Bom Dia, Boa Tarde e Boa Noite. Primeiramente, é necessário escurecer e elucidar, para quem ainda não conhece o livro, que o termo ‘Big Brother’ é originário da magnífica e VISIONÁRIA obra ‘1984’ de George Orwell. A obra problematiza uma ESTRUTURA social calcada na VIGILÂNCIA e no CONTROLE dos corpos-ideias por meio de um Estado autoritário, repressivo, onde a DOMINAÇÃO da existência é fomentada através da OPRESSÃO, da TORTURA, da PROIBIÇÃO e da PERSEGUIÇÃO. Um breve resumo da obra no Wikipeedia nos traz:

Na sociedade descrita por Orwell, todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, principalmente por TELE-TELAS (TELE-SCREEN), sendo constantemente lembrados pela frase propaganda do Estado: ‘o Grande Irmão está te observando’ ou ‘O Grande Irmão está assistindo você’.

E ainda:

Desde a publicação de 1984, as expressões ‘Big Brother’ ou ‘Grande Irmão’ são usadas geralmente para descrever qualquer excesso de controle ou autoridade por uma figura, ou tentativas por parte do governo de aumentar a vigilância, ou iniciativas (sejam de governos, órgãos de governo ou empresas) que culminam em violação e invasão de privacidade*.

*fazendo as vezes da Rita Von Hunty, quero mandar aquele beijo (dessa vez de estímulo) para Cardi B que, em 2019, fez história sendo a primeira artista solo feminina a ganhar o Grammy de melhor álbum de Rap com ‘INVASION OF PRIVACY’.

Estamos falando da Ditadura Militar no Brasil e em alguns países da América Latina? Financiadas, como boa parte de nós sabemos, pelos Estados Unidos da América? Pouco depois do 31 de Março, é importante salientar que a Ditadura ainda persiste. E como sempre, a pergunta que localiza essa afirmação é - PARA QUEM?

A Distopia não é um gênero de linguagem estritamente ficcional.

Ela é extremamente ancorada na realidade e sua relação com a tecnologia e revela, mas principalmente, desvela o lado oculto dos pactos de silêncio; sua relação com acontecimentos factuais são bastante e-VIDENTES. Sua elaboração sugestiona, se utiliza de metáforas - essa é a diferença entre distopias e o livro ‘O Corpo da Loucura na contemporaneidade: um Manifesto autoetnográfico’, onde não me utilizo em nenhum momento do recurso ficcional, escrevo DIRETAMENTE sobre o DISPOSITIVO e seus modos de organização e ação e teço um diálogo com ‘1984’ através de uma carta em forma de diário para sua personagem principal, Winston Smith, no capítulo final.

Geralmente, como no cartaz acima, o ‘Big Brother’ é associado a figuras como Hitler ou Stálin, o que é legítimo e compreensível, mas o capitalismo de vigilância estabelecido a partir da Nova Ordem Mundial* [e fazemos questão de utilizar esse termo, desvelando seu mascaramento em/de ‘Teoria da Conspiração’ - ver referências à ‘Império’ de Antonio Negri e Michael Hardt e as contribuições de Noam Chomsky] e a instauração, a partir dela, desse DISPOSITIVO óptico/mental possui mais similaridades com a sociedade de ‘1984’ e as TELE-TELAS - a sociedade contemporânea. A questão é que hoje, a transmissão e a difusão desse processo é em rede, por isso a imagem/título afirma – THE BIG BROTHER IS INSIDE YOU!

AFINAL, É APENAS O ‘BIG BROTHER’ QUE ESTÁ NOS ASSISTINDO?

*Noam Chomsky faz uma ferrenha crítica a Nova Ordem Mundial em seu livro ‘O que o Tio Sam realmente quer’ trazendo a partir de dados históricos a aliança entre EUA e membros do nazismo e do fascismo no Pós-Segunda Guerra para implantação da Ordem Imperial e seu domínio global.

O DISPOSITIVO ÓPTICO/MENTAL SABE LUCRAR E FAZER DE NOSSA VIDA UM REALITY SHOW, CONTUDO TEM A POSSIBILIDADE DE, EM TEMPO REAL, SABER QUEM MANDOU MATAR MARIELLE FRANCO E PORQUE, OU SEJA, QUAL ERA O SEU SABER-PODER - O QUE TEMOS SÃO 3 ANOS SEM JUSTIÇA!

PARA QUE(M) SERVE O DISPOSITIVO?

Dito isto, vamos analisar o Programa Big Brother por sua configuração e título – confinar pessoas em uma casa repleta de câmeras que as registram 24 horas por dia.

Ora, Winston, que denunciava essa perseguição e a privação de sua Liberdade e Privacidade, ficaria completamente estarrecido.

O formato do programa é uma neutralização à crítica que Orwell faz a estrutura social que naturaliza a vigilância e o controle. Uma apropriação da sua problematização a serviço do Capital. E bota Capitalização nisso. O programa lucrou, até agora, com essa temporada 529 milhões de reais, mas, de certo os lucros ultrapassarão a casa do bilhão.

Outra problematização que gostaria de trazer por aqui é para você que assiste. Uma sensação maravilhosa para os olhos que assistem o show da vida privada é se sentirem autorizados para isso. E nada melhor que um programa de TV GLOBAL, afinal de contas, ASSISTIR a vida alheia tem aquele gostinho especial quando você está muito bem adequado a essa estruturação de mundo, edificada na espetacularização da realidade, da nossa vida aqui fora; em nossas casas, do nosso corpo, quando andamos nas ruas, em todos os espaços. e estar bem adequado, nesse caso, é sinal de algo positivo? bom, os inúmeros inter$$es ajudam nessa compreensão... Quando analisamos a sociedade, quais pontos do programa não encontramos na realidade aqui fora – O CONSENTIMENTO E O CONTRATO.

Um dos inúmeros efeitos nefastos da Invasão da Privacidade é, além de violar Direitos Civis e Constitucionais como Direito ao Próprio Corpo e Direito à Intimidade, a exploração extrativista de nossas vidas sem retorno financeiro. Essa estruturação de sociedade, hierarquizada e desigual, colabora para que a nossa vida seja precarizada. Sou de Origem Diaspórica, venho de família empobrecida, trabalhadora e racializada. Minha mãe trabalhou anos como empregada doméstica e cuidadora de idosos e até hoje dividimos o mesmo quarto em uma ocupação no Centro de Salvador. É nítido que muito do que produzi sem verba ou retorno financeiro foi e está sendo comercializado nacionalmente e internacionalmente enquanto minha mãe está sem dentes pois o pouco que temos estamos juntando para ter casa própria. Aqui, vivo no Big Brother, mas sem chances de prêmios e 1 milhão e meio, enquanto peço que façam a conta de quanto esse Show de Truman de minha vida gera ou gerou de lucro para muita gente, menos pra mim. Tenho certeza que esse não é um caso isolado e que esse problema é estrutural e sistêmico. Vidas subalternizadas e superexploradas. Nossos corpos, desde nossos antepassados servem de mercadoria para os que detêm o poder.

Nada de novo sob o sol do (neo)colonialismo.

Existe ainda, na roteirização do programa, um sadismo gritante. Um dos seus quadros chama ‘Jogo da DISCÓRDIA’, onde os participantes são incitados a brigarem uns com os outros e depois de cada episódio deste GAME, vemos os participantes completamente desestabilizados emocionalmente e psicologicamente. A competição e a desunião são estimuladas e as brigas e desavenças são superexploradas pois geram audiência. A chamada ‘Cultura do cancelamento’ - o linchamento virtual é estimulado nas redes. Uma rede de televisão transnacional onde a maioria da população negra, maioria quantitativa neste país, está ausente da cena – pouquíssimas aparições e pontuais papéis de destaque e ainda, quando aparecem, em telenovelas reprisadas atualmente, os papéis destinados às pessoas negras são de subservientes de pessoas brancas. Para pessoas trans e travestis, praticamente não existe trabalho na emissora, muito menos papéis de destaque; pessoas indígenas, do mesmo modo. A seleção do GAME de competição contou com um elenco, pela primeira vez, majoritariamente negro. O que ocorreu na casa foi muitas discussões e brigas envolvendo a maioria dos participantes racializados. Uma live da Iyálorixá Thiffany Odara compara o que aconteceu nessa edição com a prática de Willie Lynch. Willie Lynch foi um ‘proprietário’ de pessoas escravizadas. O termo 'linchamento' se origina do seu nome.

Em sua carta explicando como manter a população escravizada sob seu controle, ele escreve:

Verifiquei que entre os escravos existem uma série de diferenças. Eu tiro partido destas diferenças, aumentando-as. Eu uso o medo, a desconfiança e a inveja para mantê-los debaixo do meu controle. Eu vos asseguro que a desconfiança é mais forte que a confiança e a inveja mais forte que a concórdia, respeito ou admiração. Deveis usar os escravos mais velhos contra os escravos mais jovens e os mais jovens contra os mais velhos. Deveis usar os escravos mais escuros contra os mais claros e os mais claros contra os mais escuros. Deveis usar as fêmeas contra os machos e os machos contra as fêmeas. Deveis usar os vossos capatazes para semear a desunião entre os negros, mas é necessário que eles confiem e dependam apenas de nós. Meus senhores, estas ferramentas são a vossa chave para o domínio, usem-nas. Nunca percam uma oportunidade. Se fizerdes intensamente uso delas por um ano o escravo permanecerá completamente dominado. O escravo depois de doutrinado desta maneira permanecerá nesta mentalidade passando-a de geração em geração.

Cemitério das intenções é pra quem defende que o jogo de manipulação deve permanecer

e pra quem acha que tudo é apenas corpo físico

no balanço do Eruexim e na aplicação do Oxê

tudo que fiz foi RESISTÊNCIA

e cheguei até aqui

dizendo tudo o que digo, fazendo e modificando a HISTÓRIA

e SIGO, pois jamais estive só

Em uma ética de sociedade onde a normalidade é a desigualdade, a indução, a manipulação, a exploração e a mentira.

Para essa sociedade 🤟, eu prefiro estar mesmo é do lado de Fora ✊

No lugar de ‘Fogo no Parquinho’, desavença e desunião entre pessoas

Fogo na Estrutura!

que fomenta toda a opressão que assola os nossos corpos, historicamente vulnerabilizados.